Uma reviravolta jurídica abalou o universo do rock nacional e reacendeu a longa disputa sobre o uso da marca Charlie Brown Jr., banda que conquistou milhões de fãs no Brasil e cujas músicas tornaram-se hinos de diferentes gerações. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) decidiu cancelar o registro da marca em nome do filho e da viúva do vocalista Chorão, encerrando temporariamente a tentativa dos herdeiros de controlar o nome da banda e seus desdobramentos comerciais.
A polêmica envolvendo os direitos da marca começou após o falecimento do cantor Alexandre Magno Abrão, o Chorão, que liderou o Charlie Brown Jr. e deixou uma obra que se tornou referência do rock com influências de punk, reggae e rap. Após sua morte, a luta pelo espólio artístico, e em especial pelo registro da marca Charlie Brown Jr., tornou-se um imbróglio jurídico que envolveu familiares, ex-integrantes e questões complexas de propriedade intelectual.
O registro da marca havia sido efetuado em nome do filho de Chorão, Alexandre Abrão, em parceria com sua companheira, Graziela Gonçalves. A estratégia dos herdeiros estava ligada ao objetivo de preservar o nome da banda dentro de um controle familiar, possibilitando o uso comercial em produtos, projetos e eventuais renovações da carreira da banda de alguma forma. Entretanto, o pedido enfrentou resistência devido à natureza do nome, que é inspirado no personagem de uma famosa série de quadrinhos, e por isso suscetível a conflitos com direitos anteriores.
Após análise técnica, o INPI entendeu que o registro em nome de terceiros, mesmo herdeiros diretos do artista, não poderia prevalecer em face do uso do nome vinculado a uma figura preexistente no universo cultural e a direitos de propriedade intelectual já consolidados. Com essa decisão, o registro de marca em nome de Alexandre e Graziela foi anulado, e a exclusividade de uso volta a ser entendida como pertencente ao titular original do nome, ou àquele que detém os direitos associados ao personagem que inspirou o nome da banda.
A anulação do registro tem implicações diretas sobre ações judiciais em curso e sobre o uso do nome Charlie Brown Jr. em apresentações, produtos licenciados e campanhas publicitárias. Nos tribunais, os ex-integrantes Marcão Britto e Thiago Castanho já haviam obtido decisões que lhes permitem utilizar um nome similar ao da banda, argumentando que o nome artístico se consolidou pela participação coletiva no sucesso do grupo, e não apenas pela ligação familiar com Chorão. A nova decisão do órgão responsável pela propriedade industrial fortalece essa interpretação ao retirar dos herdeiros a exclusividade pretendida sobre a marca.
Os representantes legais dos ex-integrantes celebraram a decisão, afirmando que a marca sempre foi resultado de uma trajetória construída coletivamente e que, por isso, não poderia ser monopolizada de forma restrita. Por outro lado, a defesa dos herdeiros indicou que está avaliando as medidas legais cabíveis para contestar a determinação, considerando que ainda existem vias administrativas e judiciais para revisitar a questão.
Mais do que uma disputa econômica, o conflito expõe as dificuldades de se conciliar memória cultural, direitos autorais e interesses familiares em contextos onde marca, arte e legado se entrelaçam. O Charlie Brown Jr. não é apenas um nome comercial: trata-se de um símbolo de uma fase significativa da música brasileira, com uma legião de fãs que ainda reverenciam letras, riffs e a postura de vida que a banda representava.
Com a titularidade da marca agora reconhecida como pertencente a quem detém os direitos originais, a disputa entra em nova fase, e as partes envolvidas terão que buscar soluções que equilibrem respeito à memória do artista, reconhecimento da contribuição dos músicos envolvidos na criação coletiva e as aspirações dos herdeiros. A decisão reabre um debate mais amplo sobre como nomes e marcas que ultrapassam o campo pessoal se tornam patrimônio cultural compartilhado e exigem mecanismos de proteção que contemplem a história, a lei e o mercado.
